Nem todo mundo que vive no Brasil é daqui, sabia? Tem muita gente – crianças, inclusive – que precisou abandonar o seu país de origem e buscar uma vida melhor em outros lugares, seja por dificuldades financeiras, guerras ou por perseguição baseada em raça, religião, nacionalidade, identidade de gênero, orientação sexual, opinião política ou devido à violação de direitos humanos. E esse movimento de deslocamento de refugiados e imigrantes é agora um dos maiores registrados na história.
Ao menos 50 milhões de crianças vivem “deslocadas” no mundo após abandonarem seus lares em consequência de guerras, violência e perseguições, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O Brasil é o 5º maior país do mundo em extensão territorial e, mesmo com 3 milhões de brasileiros vivendo no exterior em 2018, nosso país acolhia apenas 750 mil estrangeiros. A taxa atual de 0,4% de imigrantes ou refugiados vivendo no Brasil é uma das mais baixas da história (a média mundial dos países em desenvolvimento é de 1,7%). Em 2017, o Brasil recebeu 33.866 solicitações de reconhecimento da situação de refugiado, a maior parte de venezuelanos. Dos refugiados no Brasil, 14% são crianças de 0 a 12 anos. Nas escolas públicas da cidade de São Paulo há crianças oriundas de mais de 20 países diferentes, muitas delas imigrantes e refugiadas.
A literatura pode ser uma alternativa para introduzir a questão dos refugiados e conversar com os filhos ou os alunos sobre milhões de crianças que vivem essa situação, seja porque a obra traz crianças refugiadas em papel de protagonismo ou apresenta a consciência infantil diante dessas histórias. Além de estimular a igualdade entre meninos e meninas desde a infância e ampliar a capacidade de criar novos sentidos para a experiência humana, é também uma forma potente de combater a desinformação, o preconceito e a xenofobia.
"Você na multidão é a multidão" – Lua Ferreira.
É a partir da reflexão e da empatia que nos (re)aproximamos da humanidade em nós mesmos e podemos inspirar mudanças sociais. Para ajudar a estabelecer essa conversa, selecionamos 9 livros infantis e infantojuvenis que tratam sobre a infância em situação de refúgio ou traz a questão em destaque. Confira a lista a seguir:
“Valentes: histórias de pessoas refugiadas no Brasil” (Seguinte, 2020) As jornalistas Aryane Cararo e Duda Porto de Souza, autoras também de Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil, voltam a se unir para contar histórias de vida de pessoas que vieram para o Brasil em busca de um lugar melhor para viver e agregam diferenças que tornam nossa nação tão plural. Com uma linguagem acessível e sensível, a obra demandou uma pesquisa de cerca de 80 histórias de vida de pessoas refugiadas no Brasil, de 20 nacionalidades distintas, durante três anos. É referência ao traçar um panorama histórico do refúgio no Brasil e no mundo, apresentando conceitos, dados e infográficos sobre os principais conflitos que geraram esses fluxos migratórios.
“Um lençol de infinitos fios” (Editora Gaivota, 2019) Um dos dez finalistas do Prêmio Jabuti na categoria Juvenil 2020, o livro de Susana Ventura aborda temas como imigração, diversidade cultural, identidade latinoamericana e racismo a partir da história de Maria, uma garota boliviana, que se cruza com a história da haitiana Ludmi, que vem ao Brasil em busca de seu pai. Para apresentar esta delicada narrativa sobre a comunidade boliviana e a recente imigração haitiana para São Paulo, há diferentes recursos, como cartas, jornal em papel, rede social. O provérbio haitiano “Meu vizinho é meu lençol” expressa essa percepção de que dependemos de uma rede de apoio e de solidariedade.
“Amal e a viagem mais importante de sua vida” (Editora Caixote e Webcore Games, 2019) Após a morte de seus pais durante conflitos armados no Iraque, Amal foi viver na Síria com seu avô, que lhe ensinou a ler, escrever e pensar a história do mundo. Depois de uma noite em que “choveram bombas”, os livros precisaram ser trocados por comida e itens básicos. Um misto de medo e aventura, a obra escrita por Carolina Montenegro, com narrativa visual do premiado ilustrador e escritor Renato Moriconi, narra o percurso de Amal para fugir da guerra na Síria, que a forçará a cruzar sozinha mares e fronteiras, enfrentar viagens de carona e barco, até chegar à Itália, onde deverá encontrar um tio distante. Amal, em árabe, significa “esperança”. A versão impressa traz informações sobre migração e refúgio. Já a narrativa no livro-aplicativo mistura locução, imagens animadas e efeitos sonoros, e é um meio de arrecadação voluntária de recursos para iniciativas humanitárias.
“Eu estou aqui” (Panda Books, 2019) O livro de Maísa Zakzuk, com ilustrações de Daiane da Mata, envolve questões como morar em um novo país, aprender uma nova língua, fazer novos amigos… Foram esses os desafios enfrentados por Sebastien, que veio do Haiti, por Rimas, nascida na Líbia, e pelas outras dez crianças que você irá conhecer neste livro a partir de depoimentos repletos de coragem, sabedoria e esperança. Histórias de quem aprendeu, muito cedo, a lutar por seu lugar no mundo. Todas elas precisaram deixar a sua terra natal por diferentes motivos, como guerra civil, conflitos políticos, desastre natural ou crise econômica. Seja como refugiadas ou imigrantes, essas crianças estão reconstruindo suas vidas no Brasil.
“Dois meninos de Kakuma” (Pulo do Gato, 2018) Inspirado na experiência da jornalista brasileira Marie Ange Bordas com jovens de um dos maiores centros de refúgio do mundo — o Kakuma, fundado em 1992, no Quênia, na África Oriental — o livro traz fotoilustrações e fotografias da autora e é uma forma introduzir o assunto da imigração e dos direitos das crianças com os pequenos a partir da história dos amigos Geedi, um garoto de 12 anos de origem somali, e Deng, sudanês, que vivem em Kakuma. Companheiros de vida e sonhos, inquietações e dúvidas sobre o futuro, Geedi não imagina como é a vida fora desse enorme campo em que vive com a mãe e a irmã, e Deng chegou sozinho a Kakuma, ainda menino, fugindo da guerra que devastava seu país. Lá, adultos de diferentes nacionalidades sobrevivem na esperança de voltarem para a sua pátria ou serem acolhidos por algum país onde possam reconstruir suas vidas.
“O barco das crianças”, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara, 2016) Enquanto se preparava para ir à escola, Fonchito via da janela um velhinho solitário, sentado em frente ao mar. Um dia, aproximou-se para saber da sua história. E a cada manhã, antes do ônibus chegar, ouvia um pouquinho sobre as desventuras de um grupo de crianças que navega pelos mares do mundo em busca da terra prometida. O livro, do jornalista e escritor peruano, com ilustrações de Zuzanna Celej, foi inspirado no relato do escritor francês Marcel Schwob (1867-1905), que diz: “Enchiam a estrada como um enxame de abelhas brancas. Não sei de onde vinham. Eram peregrinos muito pequeninos. Usavam cajados de aveleira e de bétula. Levavam uma cruz no ombro; e todas essas cruzes eram de várias cores.”
“Migrando”, de Mariana Chiesa Mateos (Editora 34, 2015) O desafio de quem migra – mudar de país, de paisagens, deixar para trás a língua conhecida, os rostos familiares – é a temática deste livro que, com duas capas e dois pontos de partida distintos, amplia as possibilidades de interpretação sobre o fenômeno. Mostra que a palavra migrante pode ser sinônimo de sofrimento e fragilidade, mas também de coragem e de futuro. Como descreveu o educador e mediador de leitura Magno Rodrigues Farias, na seleção Destaques Emília 2015, um livro em que não há uma palavra, mas que tanto diz.
“A cruzada das crianças”, de Bertold Brecht (Pulo do Gato, 2014) Publicado pela primeira vez em 1948, este poema narrativo do escritor e dramaturgo alemão Bertold Brecht destaca a árdua peregrinação de um grupo de crianças órfãs que, em meio a um implacável inverno na Polônia, foge dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Sem perder a esperança e a solidariedade, os pequenos peregrinos lutam contra a fome, o frio, a miséria e o desamparo em busca de descanso, em um lugar de paz. Com seus traços imprecisos, em preto e branco, a ilustração de Carme Solé Vendrell reflete a fragilidade das crianças diante da crueza da guerra.
“A chegada”, de Shaun Tan (Edições SM, 2011) Sem fazer uso de palavras, este livro é como um álbum de família, que percorre a história de um migrante, que deixa a esposa e a filha em sua cidade natal para tentar a vida em um país estrangeiro. Após longa travessia, ele chega a uma terra estranha, onde as pessoas falam uma língua indecifrável, comem alimentos exóticos e convivem com objetos flutuantes e animais bizarros. Repleto de símbolos arquetípicos, como a cauda do dragão que aparece fortuitamente no caminho do protagonista, o livro ressalta aspectos comuns e particulares às histórias de estrangeiros em países distantes.
Fonte: https://lunetas.com.br/livros-refugiados-imigrantes-criancas/